domingo, 27 de fevereiro de 2011

Profissão de Fé


Eu tive tudo para não ser professor. Nasci com a alma um tanto alada e, ser professor me obriga a andar com os pés presos ao chão...

Meu pai decidiu, sem consultar-me, que eu seria carpinteiro ou motorista... Nunca disse que não. Apenas achei que jamais me satisfaria à limitação de uma carpintaria ou de um volante e uma estrada.

Resolvi talhar mentes, esculpir atitudes, envernizar corações, lustrar almas, montar futuros, indicar caminhos, apontar direções. De certa forma sou o que meu pai desejou: sou professor.

Sei que muitos de nossos meninos e meninas saem do alcance de nossas vistas sem o brilho ou a polidez necessários porque, muitas vezes, “lixas” e “verniz” estão em falta...

Vinte e cinco anos se passaram desde que resolvi fazer parte da vida destes meninos e meninas que a mim vieram com sede de saber. Vinte e cinco anos que me mostraram a minha verdadeira importância e missão no mundo: ser luz.

Sou professor porque acredito na transformação do ser humano e do mundo. Muitos não acreditam em mim, eu sei. Isto é normal. Nem governos, nem famílias, talvez nem companheiros de profissão. Mas a mim não me importa o crédito alheio. O Mestre dos Mestres ainda hoje desperta interrogações e quase sempre é ignorado e nem por isso deixa de exercer um fascínio sobre a humanidade, mudando-lhe os rumos e as atitudes. Defendo o que penso sabendo que penso para o bem. Defendo minhas convicções não por achá-las melhor do que as de ninguém, mas por achá-las melhor do que a mim mesmo. Afinal, a cada dia preciso estar melhor.

Há exatamente 25 anos pisei pela primeira vez o chão vermelho de uma sala de aula com a curiosidade de uma criança e com a vontade de um idealista. Foram anos de batalhas até contra mim mesmo porque meus conceitos foram sendo transformados por experiências novas.

Sempre fui instigado a conhecer e a desvendar mistérios. Nunca, porém, consegui entender por que a minha profissão é encarada como “biscate” por uns tantos ou como “bico” por outros.

Entre os desgovernos atuais, de total intransigência e desvalorização do magistério, fico a refletir sobre algumas posturas destes homens que também tiveram professores, mas parece que nunca aprenderam o real valor de quem ensina. Esses homens de memórias curtas nunca compreenderam que sem o professor não se abrem caminhos, não se descortinam horizontes, não se chega a lugar algum.

Tudo na educação virou marketing pessoal. É uma verdadeira vitrine de merchandising. A publicidade dos “feitos” dos governos é assustadora. Deveriam ganhar prêmios aos montes nesta categoria. Deveriam levar o troféu “imprensa” da propaganda enganosa. Ninguém faz mais propaganda do que os governos, de suas políticas educacionais, ambientais e outros “ais”. E as escolas continuam sendo alvos de críticas infundadas, seus alunos, frutos forçados, e seus professores, cobaias do sistema.

Recebendo o pouco e irrisório salário, professores sem motivação e sem saída são obrigados a dobras de turnos e de esforços, sobrecarregando-se cada vez mais com “experiências” que nem sempre dão certo. Além disso, são obrigados, pela ausência da família e da sociedade, a serem tudo, menos professores.

A educação nunca prioriza a habilidade, mas escancara as suas portas e, pela mão-de-obra barata, paga mal aos seus servidores, porque professor não é artigo de luxo e se encontra em qualquer esquina.

Nunca se ouviu falar tanto em educação de qualidade. Nunca nossos alunos saíram tão despreparados de nossas escolas. Nunca nossos professores estiveram tão indignados com a sorte (ou azar!) de suas profissões.

Servidores (escravos do sistema!) reivindicam apenas o legal e são escorraçados das praças, muitas vezes agredidos física e moralmente porque não aceitam a condição de servos diante de uma política que nada tem a ver com a vida e a realidade da classe.

O poder público, “deitado em berço esplêndido”, tapa os ouvidos aos apelos de quem dá ao estado e ao país índices (suadíssimos) de proficiência.

Apesar disso, sou professor e me orgulho de sê-lo. Tenho fé na possibilidade de um mundo melhor pela educação. Não posso me sentir desencorajado porque ao meu lado caminham homens e mulheres descrentes. Como homem, sou frágil, sujeito a reboque vez ou outra. Acredito na minha força enquanto educador porque acredito na força transformadora que o conhecimento traz.

O ser humano só pode ser educado por pessoas que foram também educadas. Infelizmente, nem todos tiveram essa sorte.

Fábio Gonçalves,
professor e escritor, Água Boa (Claro dos Poções) - MG.
Endereço eletrônico: fabioaguaboa@r7.com


Você pode ler no site do Mundo Jovem
http://www.mundojovem.pucrs.br/artigo-profissao-de-fe.php

Um comentário:

  1. Ser professor deve ser motivo de orgulho, pois são os professores que educam essa sociedade tão complicada. Os professores deveriam ser mais valorizados.
    beijos.

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