sexta-feira, 15 de julho de 2011

De uma infância esquecida.


Por Lilah Bianchi

Lilah é uma mãe hétero de um filho gay. Ela escreveu esse texto com base no que viveu quando seu filho falou para ela, "Mãe sou gay".

Quem é essa mulher de coragem?
"Sou Lilah Bianchi, 43 anos, professora universitária e escritora amadora. Carioca, mas já morei em Natal, Brasília, Belo Horizonte, Macaé e São Paulo. Atualmente estou perdida em La Paz, Bolívia, congelando nessa cidade onde nunca faz calor. Mãe do Lipe, do Vic, do Lucas e do Sal, que em 2005 escutou do filho “sou gay” e viu o mundo tomar uma virada inesperada. Do susto inicial, passando pelo medo do desconhecido até superar meus próprios preconceitos foi um longo caminho, com muito erros e muitas quedas. Comecei a escrever sobre isso como uma forma de organizar minhas próprias ideias confusas por que não havia ninguém para me ouvir. Hoje eu escrevo para os pais que passam pelo mesmo que eu passei, para os filhos que acabaram de sair do armário e não sabem como isso vai terminar, para os amigos que querem entender. Não sou psicóloga e nem tento ser, escrevo como mãe, a partir da minha experiência como tal. Sou uma mãe hétero de um filho gay, numa história ainda em construção. Se você é pai, mãe, irmão, filho, gay ou hétero, mas tentando entender, então vamos juntos nessa estrada."


De uma infância esquecida

O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem”.

Jair Bolsonaro, Deputado Federal

“Ele é gay. E foge de casa para se drogar, como mãe tenho que fazer o que é melhor para ele”

Cristina Mortágua, tentando justificar agressões ao filho de 16 anos


O tema é complexo. Sensível para alguns. Tabu para muitos. Mas gays não nascem aos 18 anos. Não fazem uma escolha consciente quando chegam a idade legal de consentimento. Eu acredito que gays nascem gays. E a ciência em grande parte concorda comigo. E assim como a sexualidade hétero não aflora aos 18 anos, a sexualidade gay também não. E quando eu falo de sexualidade que fique claro que não falo de atos sexuais, mas de tudo que a envolve: a descoberta do corpo, as brincadeiras, atração, identidade de gênero e etc.

E é nesse período de descoberta que os primeiros conflitos familiares costumam surgir. O menino afeminado que se recusa a jogar futebol, a menina que foge para andar com meninos e não quer usar o vestido, as reclamações da escola porque ele não se encaixa, os comentários maliciosos dos amigos e parentes, as cobranças. E não raro, explodem em violência física e psicológica.

O caso Mortágua (leia sobre o caso aqui) não é, infelizmente, uma exceção. Meninos e meninas homossexuais são oprimidos todos os dias, agredidos muitas vezes sem nem saber porque. Lembro de uma cena que assisti num shopping alguns anos atrás. Um menino de talvez 3 ou 4 anos no máximo, estava brincando na área de lazer e se aproximou de duas garotinhas que ninavam bonecas. Ele pegou uma das bonecas que estava no carrinho e imitou as meninas, ninando. Minutos depois, um homem visivelmente irritado, provavelmente o pai do menino, se aproximou, agarrou a boneca e arrancou dos braços do menino com violência. O menino, assustado, começou a chorar e ainda levou uma palmada por estar “fazendo escândalo”. Esse garotinho, do alto dos seus 3 anos, não tinha nem ideia do que havia feito de tão errado para ser repreendido dessa forma.

Com o passar do tempo, aos 10 ou 12 anos, quando a descoberta da sexualidade se impõe para héteros e homossexuais, esses conflitos podem ter tornado impossível a convivência. Na maioria das vezes, esses adolescentes vão fazer suas descobertas envoltas em muito medo e repulsa. Foram ensinados, desde muito pequenos, que existe algo errado em ser como são. Tiveram sua auto estima destruída por seguidas punições que não conseguiam nem entender a causa. Essa repulsa pode ficar tão grande e complexa que muitos vão levar anos para se aceitar, vivendo relações vazias, se auto sabotando ou mesmo caindo no abuso de alcool e drogas.

As pessoas nascem gays ou nascem hétero (ou bi) e não tem sobre isso qualquer responsabilidade ou culpa. Não existe nenhuma educação profilática que possa “extirpar” isso da personalidade delas. Ao agredir um filho, física ou psicologicamente, por que ele é gay, você não está resolvendo nada, mas comunicando a ele que existe algo errado com quem ele é. E essa traição do amor que deveria ser incondicional é uma ferida que dificilmente se fecha, as marcas de uma infância violenta e do abuso são cicatrizes que podem influenciar todas as escolhas que essa criança fará, quando for um adulto. O abuso ensina que não se pode confiar em ninguém. E essa é uma lição difícil de ser esquecida.

*Na foto, Lucas, meu filho, com 2 anos de idade. Ele segura o robe de veludo vermelho da avó. Ele tinha uma atração absurda por esse robe e aos 4 anos eu o peguei desfilando com ele, mas não tiramos fotos.

Fonte : Pará Diversidade http://paradiversidade.com.br/2010/?p=1729

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